Imprensa As mulheres inventoras, num país pouco amigo da inovação

Artigos de Opinião | 09-11-2022 in Diário de Notícias

A informação de que as mulheres portuguesas estão na segunda posição, a nível europeu, na percentagem de patentes submetidas por país, entre 2010 e 2019, é um bom indicador para o país, numa altura em que na UE se discutem estratégias para aumentar a representatividade feminina nas chamadas CTEM - Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática e, em particular, nas áreas da Energia e do Digital. Mas devemos olhar para esta informação com sentido crítico, sob pena de fazermos leituras que pouco ou nada têm em comum com a realidade de Portugal nesta matéria.

Começando pelas boas notícias, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP), as portuguesas submeteram 26,8% das patentes nacionais, numa tendência de crescimento que se foi acentuando ao longo do período em análise, cobrindo uma década. Por outras palavras, se a comparação tivesse em conta apenas as informações mais recentes, provavelmente esta prestação seria ainda mais assinalável.

São valores em linha com o que tem sido o crescimento das qualificações dos portugueses ao longo das últimas décadas, no qual as mulheres têm assumido um papel preponderante, ao ponto de já serem o género dominante ao nível dos doutorados em diversas áreas do conhecimento.

Ainda no que toca ao registo de patentes, o desempenho das portuguesas representa mais do dobro da média da UE (13,2%), em termos europeus só é superado pelas letãs e, na comparação mundial, está ao nível da Coreia do Sul (28,3%) e da China (26,8%) e bastante acima do Japão (9,5%) e dos Estados Unidos (15%).

Destacam-se as patentes submetidas na área da Química, em especial na Biotecnologia e nas Farmacêuticas, em que as mulheres portuguesas se aproximam da paridade com os homens (44%). E merecem também referência as percentagens de patentes submetidas por mulheres ligadas a universidades e centros de investigação públicos (36%) e ao setor privado (19,4%), cujos valores são bastante mais modestos, mas, ainda assim, igualmente acima da média da UE.

Todos estes indicadores são relevantes, porque significam que, pelo menos no campo das patentes, avançámos mais, em termos de equilíbrio de géneros na atividade científica, do que os nossos parceiros europeus e até do que algumas das grandes potências mundiais. Mas todos estes indicadores têm de ser enquadrados à luz daquela que é, em termos de valores absolutos, a prestação nacional ao nível das novas invenções. E o que esta nos diz é que continuamos muito longe de ser um país que possa ser considerado inovador.

Nos dados de 2021, do mesmo IEP, sobre as novas patentes submetidas em território europeu, Portugal aparece integrado numa lista de "outros" estados responsáveis apenas por 6% do total, numa tabela na qual a Alemanha é líder destacada entre os estados-membros da UE, com 14% do total. A mesma Alemanha que, nesta nova comparação por género, que o IEP faz pela primeira vez, aparece na cauda da tabela. E nem sequer analisamos aqui as taxas de sucesso na conversão destas novas patentes em produtos e serviços colocados ao serviço da sociedade.

Isto não significa que este país não tenha um problema para resolver ao nível da representação do género mais sub-representado em diversos setores da sua atividade cientifica. Tal como também não significa que Portugal não parta neste campo de uma posição vantajosa, apesar das debilidades que também existem, nomeadamente ao nível das investigadoras nos setores do Digital e da Energia. Mas enquanto não desenvolvermos no nosso país um ecossistema verdadeiramente favorável à inovação, que permita potenciar os excelentes contributos dos nossos investigadores e investigadoras, as nossas vitórias serão sempre mais simbólicas do que reais.

 

Atenção, o seu browser está desactualizado.
Para ter uma boa experiência de navegação recomendamos que utilize uma versão actualizada do Chrome, Firefox, Safari, Opera ou Internet Explorer.