Imprensa A defesa da liberdade não tem fronteiras

Artigos de Opinião | 12-10-2022 in Diário de Notícias

A repartição do Prémio Nobel da Paz por defensores dos Direitos Humanos da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia não é um mero apelo a entendimentos entre estes países. O que une o Centro das Liberdades Civis da Ucrânia, liderado por Oleksandra Matviychuk, a organização russa Memorial e o ativista bielorrusso Ales Bialiatski é, sobretudo, o amor à liberdade e a disponibilidade para a defender a todo o custo.

Começando pelo último, Bialiatski é um homem com décadas de dedicação à luta pela paz e pela democracia. Começou a sua carreira de ativista no início dos anos 1980, ainda adolescente, numa altura em que Rússia, Ucrânia e Bielorrússia eram todas partes de um mesmo país: a União Soviética. Prosseguiu-a depois da independência. Sem concessões ou contemplações. Atualmente, já com 60 anos feitos no mês passado, está preso pelo regime de Lukashenko sob acusações absurdas de evasão fiscal.

O apoio à oposição bielorrussa tem sido uma prioridade do Parlamento Europeu. Eu própria tenho participado em diversas iniciativas de apelo ao respeito pela democracia e pelos opositores políticos naquele país, não apenas de Bialiatski, mas de muitos outros homens e mulheres que têm sofrido as consequências de não se conformarem com a ditadura legal que os gere há quase 30 anos.

Além da defesa dos Direitos Fundamentais, apoiar a oposição bielorrussa significa proteger os valores do mundo livre face a uma visão totalitária e antidemocrática que alguns estão a tentar restaurar. E tem esse significado, não apenas no plano simbólico, mas em termos muito concretos. O recente anúncio, por parte de Lukashenko, de que irá envolver militarmente o seu país na agressão à Ucrânia, diz tudo sobre os riscos de se deixar a repressão e a intolerância avançarem, aconteça esta onde acontecer.

 

Oleksandra Matviychuk, hoje com 39 anos, advogada, começou a trabalhar no Centro das Liberdades Civis desde a sua fundação, em 2007, praticamente saída dos bancos da universidade. Foi a primeira mulher a participar no programa para líderes emergentes da Ucrânia, em Stanford.

Na época, o seu país era liderado pelo presidente Viktor Yanukovych. Quando este, em novembro de 2013, contra a vontade da maioria da população, decidiu suspender o Acordo de Associação com a União Europeia, favorecendo em vez disso uma aproximação à Rússia, deu-se o levantamento popular que ficaria conhecido como Euromaidan (Praça da Europa). Durante a violenta repressão que se seguiu, Matviychuk organizou e coordenou um movimento civil para dar apoio jurídico aos manifestantes e recolher informações sobre os seus processos.

No final, ganhou a democracia, mas a organização que lidera continuou a documentar e denunciar detenções ilegais na Crimeia, no Dombass e na Rússia. Desde a invasão russa, o Centro das Liberdades Civis tem-se dedicado a recolher os testemunhos de sobreviventes, para um dia levar à justiça os autores físicos e morais dos abusos cometidos nesta guerra de agressão.

A defesa da democracia e dos direitos humanos não tem fronteiras. A ONG Memorial nasceu com a queda da URSS, com o objetivo específico de investigar violações dos Direitos Humanos cometidas durante a era soviética. Mas não se deixou ficar pelo escrutínio do passado, mantendo-se como uma observadora incómoda da Rússia moderna. Suficientemente incómoda para entrar em choque com o regime de Vladimir Putin. No mesmo dia em que o seu nome foi anunciado pelo comité Norueguês, um tribunal russo decretava a perda do seu edifício-sede a favor do Estado, já depois de a sua dissolução ter sido decidida em 2021.

Mas a sua história não terminou aqui. É essa a mensagem que o Comité Nobel envia aos ditadores, ao distinguir estas personalidades e entidades. A mensagem de que podem ilegalizá-las, prendê-las e até invadi-las que continuarão a ser faróis da liberdade e da democracia que muitos irão seguir.

 

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