Imprensa Maria da Graça Carvalho: "Estamos a empobrecer e depois do PRR vamos ser mais pobres"

Notícias | 31-07-2023 in Diário de Notícias

Eurodeputada do PSD diz que o governo está a ignorar as questões estruturais preferindo a propaganda e políticas de assistência social. É urgente, assegura, uma nova lei de bases no Ensino Superior. E o seu partido? "Tem todas as condições para ganhar as Europeias".

 

Foi relatora-sombra do PPE para o desenho do mercado elétrico que vai definir a estratégia da Energia na Europa. Confia na boa vontade dos Estados para a aprovação final?
Esta semana conseguimos no Parlamento Europeu chegar a acordo, agora tenho esperança que no Conselho Europeu também se entendam, que se chegue a um acordo. Nós conseguimos um desenho do mercado que protege e dá poder aos consumidores de fazerem até a sua própria produção e partilha de energia. Em síntese: atração de investimento, proteção e envolvimentos dos consumidores e segurança do abastecimento. Regras iguais para toda a Europa. O que se conseguiu é um acordo, espero que não haja agora a tentativa de os Estados procuraren criar exceções.

Está a falar de França e Alemanha?
Sim, as velhas questões de proteção da indústria, no caso alemão, e o nuclear no caso da França.

Como se fosse uma perda de autonomia?

Autonomia e concorrência, de perderem vantagens competitivas. Precisamos de um mercado competitivo, mas leal entre todos.

Mas também há as dúvidas dos polacos.
Sim, mas eles perceberam que nós temos boa vontade de olhar para a questão polaca. Talvez seja uma transição mais demorada porque eles têm ainda muito carvão. E isto demora tempo e requer tempo para uma retransformação. A questão mais complicada é mesmo a França. Nestas questões de energia são muito protetores do seu mercado, da sua indústria. A Alemanha está mais flexível.

E os europeus, os consumidores que benefícios vão ter?
O preço da eletricidade. Não haver oscilações. Se houver crise, ter proteção. Terem contratos fixos e proteção do Estado sem precisarmos de nova legislação. É essencialmente o que se paga ao fim do mês na conta de eletricidade. E claro, a questão da partilha e da produção própria de energia que é, acredito, o futuro.

Isso implica perda de mercado para as grandes empresas do mercado da energia?
Mas as empresas de energia também se estão a adaptar. Há aqui um negócio para elas. Podem fornecer, por exemplo, serviços de energia.

Mas perder, por exemplo, todos os consumidores de um bairro, de uma localidade...
Pois, mas podem ser eles com a experiência e tecnologia a apoiar um determinado bairro. É uma oportunidade de negócio.

Ou perder um negócio.
Não, há uma adaptação a uma coisa que é muito mais descentralizada e que vai também no sentido de uma maior digitalização, de uma maior participação das pessoas, de uma maior inovação onde se podem misturar várias fontes de energia e combinar isso com eficiência energética. É o futuro.

Noto-a entusiasmada. Ainda se sente uma mulher da ciência?
Sim, sim. Aliás, tenho um espírito muito científico nas coisas que faço. Leio muito, vejo as várias opções, antes de decidir.

E como é que olha para o estado da ciência em Portugal?
Desde 1986 que temos tido, os vários ministros, uma grande preocupação de criar uma comunidade científica. E isso foi feito com a atribuição de bolsas de doutoramento, mestrado e pós-doutoramento. Parte no estrangeiro, parte cá quando começamos a ter condições para doutorar. Temos um número de cientistas de grande qualidade.

Mas...
O que falhou e falha, por exemplo, na administração pública é não haver uma política de contratação de gente com estas habilitações. As universidades que dantes conseguiam absorver investigadores têm dificuldade em contratar, não têm orçamento. Mas a grande falha tem sido o facto de a nossa economia não ser capaz de absorver parte destes investigadores. Numa economia saudável aconteceria isso porque eles iriam gerar riqueza, novos produtos, novas ideias. Temos bons exemplos, mas são exceção. Temos nas nossas empresas cerca de 7% dos nossos investigadores, mas se olharmos para a Bélgica, por exemplo, são quase 50%. E são PME, não são grandes empresas. Tudo isto aumenta o potencial para exportação.

E é assim porquê?
Temos um ecossistema de inovação muito fraco, os custos de contexto são elevadíssimos, temos uma carga fiscal muito grande, uma lei laboral pouco flexível, muita burocracia, um sistema de justiça demorado... no fundo não temos as condições para atração de investimento. As empresas têm dificuldade em contratar. E isto não dependente só de quem for ministro da Ciência. O governo tem que criar as condições favoráveis para a inovação nacional.

Mas isso é um discurso com dezenas de anos...
Pois, mas é preciso fazer essa transformação em Portugal. O sector da formação científica funcionou. Tudo o resto não. E este governo como tem maioria absoluta e o PRR deveria apostar já. Era logo no primeiro ano. Mas não se fez.

Consequências?
Vai ter muitos custos. E o PS, o partido que nos últimos 20 anos mais tempo esteve no governo, nunca teve uma oportunidade tão favorável como esta: maioria absoluta e dinheiro. E dinheiro do PRR que pode ser utilizado de uma forma mais simples do que os fundos do Portugal 2020 e 2030 que são projeto a projeto negociados com Bruxelas. Aqui não, aqui é mesmo para ajudar o país a fazer as reformas que necessita. Só que deixaram passar esta oportunidade.

Desleixo?
Uma maior vocação para uma permanente campanha eleitoral e para remediar as coisas com algumas medidas sociais que não vão ao fundo da questão. Por que é que não há um mercado na habitação como existe no resto da Europa? Ajudar com medidas sociais não resolve a questão central. E é sempre esta atitude de ajuda, de assistência social e de propaganda.

Não fica nada resolvido acabando o PRR?
Vamos ser mais pobres, estamos a empobrecer e depois do PRR vamos ser mais pobres em termos absolutos e em comparação com os outros países. As questões estruturais e de fundo não estão a ser resolvidas.

Está a deitar-se dinheiro ao lixo? É isso?
Exatamente. Este era o momento para fazer diferente. Sinto isto em praticamente todas as áreas. E é por isso que os jovens continuam a sair tanto do país. O investimento público não existe. É dinheiro [do PRR] usado para tapar buracos. É a política do assistencialismo.

E o seu partido é alternativa? Até o próprio presidente parece duvidar...
É difícil estar na oposição nestas condições. O líder do meu partido é uma pessoa muito bem preparada. É uma pessoa que se concentra nos problemas das pessoas, nestes problemas estruturais do país: a habitação, a saúde, a educação... o meu partido está sempre preparado. É um partido muito ligado à sociedade civil. Há muita gente nas empresas, nas instituições que é do partido. Em todos os sectores temos imensa gente de grande qualidade.

E é Montenegro a alternativa a Costa?
As pessoas começam a olhar e os números das sondagens já indicam isso. Repare, nós tivemos resultados eleitorais maus. E hoje é notória a recuperação. E o líder é olhado como uma pessoa bem preparada. O partido desde a sua fundação está sempre preparado, sempre esteve.

As eleições Europeias serão esse sinal de recuperação nas urnas?
As Europeias são muito importantes. Os portugueses sabem distinguir as diferentes eleições. Mas claro que é sempre bom ter um bom resultado. É sempre um sinal político, mas deve-se olhar para as Europeias pelo valor que têm na eleição de representantes de Portugal na Europa. E com a pandemia e a questão da Ucrânia, nomeadamente, as pessoas perceberam a importância da Europa nas nossas vidas. E começam a dar mais valor às soluções que vêm da Europa.

E o PSD?
Acho que o PSD tem todas as condições para ganhar as Europeias.

E vai nessa lista de social-democratas?
Neste momento estou muito focada no meu trabalho.

Não falta assim tanto tempo.
Pois não. É uma decisão da direção do partido, é do presidente do partido essencialmente. O PSD sabe que eu estou disponível para ajudar no que for preciso. Mas não é uma coisa em que esteja de momento a pensar. Gosto de estar onde posso acrescentar valor.

Onde é que sente que pode ser mais útil?
Tenho muita experiência e conhecimento nas áreas da ciência e inovação, no ensino superior, energia, digital. E portanto, estou sempre disponível a ajudar no que acharem que é mais essencial. Desde a elaboração de programas, debates, o que for mais adequado. Mas é importante aproveitar o valor acrescentado que tenho nestas áreas.

Até integrar um governo?
... isso não sei. Já fui ministra duas vezes. O cargo de ministro tem que ser bem equacionado. Fui bem-sucedida e voltar aonde se foi feliz costume dizer-se que não é boa ideia.

Foi ministra do Ensino Superior, que avaliação faz da que temos agora?
Tenho pena. O Ensino Superior continua a ter a legislação que tinha praticamente no meu tempo [.....].E já tive oportunidade de dizer à atual ministra que precisamos de ter uma nova lei de bases e uma nova lei de financiamento porque as coisas mudaram muito na sociedade.

O que mudaria com uma nova lei de bases e uma nova lei de financiamento?
A lei de bases define tudo o que vem a seguir. A lei de graus e diplomas, o financiamento, a forma como se organizam as universidades e politécnicos, os politécnicos dão grau de doutor ou não, etc. Ou seja, reestruturar todo o sector, adapta-lo a esta nova realidade, a esta nova década e ao futuro. A lei de financiamento do Ensino Superior não está adequada às circunstâncias. É muito mais correto fazer toda uma modificação incluindo a lei de financiamento do que ir mudando pontualmente legislação.

E se nada mudar?
.... Está completamente desadequado o financiamento. É preciso que tenha em consideração não só a componente por aluno, o financiamento por aluno, mas também, por exemplo, uma componente territorial de modo a poder atrair estudantes para o interior. A outra é a coesão social. No programa do PSD está lá o que se deve fazer no nosso entender. Precisamos de modernizar o nosso Ensino Superior.

É uma defensora da igualdade de género. Como analisa a questão no Tribunal Constitucional ou no Conselho de Estado?
O que não é natural é ainda ser uma questão. E não é por uma questão de competência. Não me venham dizer que é por competência porque as mulheres competem de igual para igual.

 

Créditos da Imagem: © Gerardo Santos / Global Imagens

 

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