Imprensa Setor automóvel. O erro de generalizar as posições do Parlamento Europeu

Artigos de Opinião | 14-08-2023 in Dinheiro Vivo

O empresário português é um exemplo de afirmação internacional do talento português, liderando o conglomerado Stellantis, um dos maiores construtores automóveis do mundo. No entanto, em recentes declarações a uma publicação do setor automóvel, parcialmente reproduzidas pelo Expresso, cometeu uma enorme injustiça em relação a parte significativa dos deputados do Parlamento Europeu, e em particular aos do Partido Popular Europeu (PPE), família política a que o PSD pertence.

Disse Carlos Tavares, a propósito das novas regras sobre as emissões zero dos veículos ligeiros, a partir de 2035, que o Parlamento Europeu estaria a amarrar a indústria automóvel a uma estratégia 100% focada nos automóveis elétricos - ou seja: a decretar o fim dos motores de combustão interna -, acrescentando: "o que está a acontecer foi espoletado pelo Parlamento Europeu, e foi aprovado pelo Conselho Europeu e pela Comissão Europeia, e essas pessoas é suposto serem os nossos representantes".

Esta afirmação começa por ser pouco rigorosa em relação ao processo legislativo europeu. A medida em causa constava de uma proposta da Comissão Europeia - o único órgão com o poder de propor legislação -, que foi posteriormente analisada por relatores do Parlamento Europeu e votada, negociada com o Conselho e só então alvo de uma votação final em plenário. Ou seja: a situação não foi "espoletada" pelo Parlamento Europeu.

Mas a imprecisão mais grave é mesmo a tentativa de vincular todos os "representantes" eleitos dos europeus a uma decisão que esteve longe de ser consensual. Na verdade, na votação final em plenário, em fevereiro deste ano, já depois de esta medida ter merecido a aprovação dos Estados-membros no Conselho, o resultado foi de 340 votos a favor, 279 contra e 21 abstenções. Ou seja: 61 votos, entre mais de 700 fizeram a diferença.

E o PPE, que votou esmagadoramente contra, bateu-se ate ao último segundo por uma formulação diferente destas regras, enfatizando o objetivo das emissões zero, mas defendendo a imparcialidade tecnológica na persecução desse objetivo. Precisamente para evitar o afunilamento de recursos numa única solução - os motores elétricos.

O diretor executivo da Stellantis tem todo o direito de afirmar: "se nós os cidadãos não queremos ir nessa direção temos que dizer aos líderes políticos que discordamos, e a melhor forma de o fazer é votar de forma diferente para o Parlamento Europeu pois é onde as decisões são tomadas". Mas, ao fazer esse exercício, talvez se justifique distinguir quem votou a favor de quem votou contra a decisão à qual se opõe.

Até porque, ironicamente, muitos dos argumentos válidos que deduz contra uma solução centrada exclusivamente na eletrificação, foram repetidos até à exaustão, durante este processo legislativo, por diversos deputados do PPE. Incluindo por mim própria, na qualidade de vice-coordenadora do PPE na Comissão da Indústria, Investigação Científica e Energia. Esta defesa de uma solução tecnologicamente neutra para a transição no setor automóvel foi, aliás, uma das grandes batalhas do PPE no último ano.

Entre os argumentos de Carlos Tavares que foram também utilizados pelo PPE incluem-se o risco da indisponibilidade de energia de origem 100% renovável para alimentar todo o futuro parque automóvel europeu, os custos dos veículos para pessoas e empresas, as implicações para a indústria automóvel europeia e a necessidade de não se fecharem portas a alternativas que podem contribuir para os mesmos objetivos de emissões zero, tais como a nova geração de combustíveis sintéticos.

De resto, foi em parte graças a esses esforços de muitos deputados, fazendo eco das preocupações da indústria e dos consumidores europeus, que, apesar de tudo, foram contempladas várias salvaguardas nas novas regras, nomeadamente a obrigatoriedade de se fazerem diversas avaliações de impacto ao longo do período de implementação. E foi em parte graças a esses esforços que a Comissão Europeia aceitou deixar em aberto o enquadramento nos combustíveis sintéticos nestas regras.

Não espero que Carlos Tavares esteja contente com o desfecho da votação realizada em fevereiro. Mas espero que reconheça que há outros, nomeadamente entre os legisladores europeus, que também não estão. E que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que o resultado fosse diferente.

 

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