Imprensa O “caso Rubiales” é apenas a ponta que revelou o icebergue

Artigos de Opinião | 13-09-2023 in Diário de Notícias

O que mais incomoda no “caso Rubiales” é que uma conquista no feminino, que deveria ter sido celebrada como tal, e servido de inspiração para que muitas raparigas se dedicassem ao futebol e a outros desportos habitualmente conotados com o sexo masculino, acabou por resultar num fenómeno mediático tendo mais uma vez um homem como protagonista, ainda que pelos piores motivos.

O agora ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol não se limitou, sem qualquer conotação poética, a “roubar um beijo” à jogadora Jenni Hermoso. O que ele fez foi roubar-lhe, a ela e às suas colegas de equipa, o direito de festejarem e de serem valorizadas por uma vitória conseguida com mérito e trabalho duro. O feito em si passou para segundo plano. E o facto de o senhor Rubiales nunca se ter apercebido disso, recusando assumir qualquer arrependimento pelos efeitos do seu gesto, e representando até o papel de vítima, diz muito sobre o que (ainda) está errado no mundo atual.

 Este caso, amplificado por se ter passado em frente às câmaras, no final de um evento de grande impacto, não é muito diferente do que se passa no dia a dia com muitas mulheres que se tentam afirmar em ambientes maioritariamente masculinos, quer se trate de desporto, empresas ou centros de decisão política. Não é muito diferente das manifestações de paternalismo que enfrentam, que mais não são do que formas veladas de machismo.

Nesta quinta-feira, em Estrasburgo, o Parlamento Europeu irá debater a questão da violência e discriminação de género no desporto, no contexto do sucedido na seleção feminina de futebol espanhola. Muitos jornalistas têm questionado os deputados sobre o que poderá sair deste debate em termos de ações concretas, nomeadamente propostas legislativas.

É uma pergunta legítima, e seguramente existem vias por explorar. No caso do desporto, e do futebol em particular, saltam à vista, por exemplo, as assimetrias que persistem em termos de remunerações e prémios, as quais vão muito além das questões de interesse e retorno comercial das versões masculina e feminina da modalidade. Por exemplo, antes do Mundial feminino, foi relevado que dois terços das mulheres envolvidas na qualificação para a prova se dedicavam ao futebol em part-time, porque tinham de manter outros empregos. Algo que não acontece com os homens, mesmo em segundas divisões cujo interesse mediático é quase nulo.

Mas este não é um tema que tenha até agora passado ao lado do debate político. Atualmente, estão em curso as negociações entre Parlamento Europeu, Conselho e Comissão Europeia, sobre um novo quadro legislativo relativo à violência de género e à violência doméstica, sendo que a posição que o Parlamento está a defender inclui medidas visando o assédio sexual em contextos de trabalho, entre os quais se inclui naturalmente o desportivo. É possível que possam vir a ter de ser tomadas medidas adicionas relativas a atividades específicas, mas o essencial é coberto por esta legislação.

Outro passo importante, na minha opinião, foi a adoção, no ano passado, da diretiva Women on Boards, sobre a participação das mulheres nos conselhos de administração das sociedades cotadas, da qual tive o orgulho de ser negociadora pelo Partido Popular Europeu. Esta diretiva, que abrange as sociedades anónimas desportivas, estabelece a meta vinculativa de que pelo menos 40% dos administradores não executivos das empresas - ou 33% incluindo executivos - sejam do género sub-representado, em geral as mulheres.

A presença obrigatória de mulheres nos cargos de decisão é a melhor forma de contrariar a mentalidade de “clube de rapazes” que persiste em muitas atividades, desportivas e não só.

 

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