Imprensa Como não resolver o problema da habitação (e criar outros)

Artigos de Opinião | 22-02-2023 in Diário de Notícias

O primeiro-ministro anunciou o seu plano para a habitação. Infelizmente, porque o tema é de facto da maior urgência para o país, a maior parte das medidas anunciadas oscila entre o dificilmente concretizável e o potencialmente grave, dadas as implicações para muitos milhares de portugueses que, à luz da doutrina que parece dominar a proposta, cometem o "crime" de ser proprietários ou, pior, de tirarem desse património algum tipo de rendimento.

Analisando estas medidas, só podemos concluir que o governo está convencido que todos os proprietários de imóveis registados para alojamento local são perigosos especuladores, mesmo que muitos destes -- para não dizer a maioria -- sejam pessoas normais, de classe média, que recorrem a esses alugueres para comporem os seus orçamentos e terem meios para preservarem condignamente o seu património.

Só podemos concluir que o governo considera que todos os proprietários de imóveis devolutos e/ou em mau estado são-no por opção, e não por falta meios para os manter e valorizar, possivelmente por se tratarem de casas e apartamentos que, durante décadas, tiveram rendas baixas congeladas. Ou porque simplesmente são pessoas já de uma certa idade, que teriam todo o gosto em alugar estes imóveis, mas sentem receio em entrar num mercado onde qualquer litígio pode levar anos a resolver e onde existem pouquíssimos apoios. Ou ainda, pela mais prosaica das razões, porque os imóveis de que são proprietários têm escassa procura. E não é preciso ir para o Interior do país para encontrar exemplos desses.

A solução do PS é ocupar à força e reduzir drasticamente as perspetivas de retorno para quem tem ou investe. Nos anos 1970, houve uma tentativa de processo semelhante, noutro setor, conhecida por Reforma Agrária, que sabemos bem que resultados teve.

Quando, antes do governo, o PSD apresentou um pacote de medidas marcado por incentivos positivos -- aceleração dos licenciamentos para a construção e reabilitação, redução de impostos na compra de casa para habitação própria, deduções de despesas nos créditos à habitação em sede de IRS, e reformulação dos subsídios ao arrendamento --, no documento "Um Novo Caminho para a Habitação", a reação dos socialistas foi acusarem-nos de "proteção de um mercado", o que aparentemente é uma coisa má.

Até se percebia se a crítica tivesse saído dos partidos mais à esquerda, avessos à propriedade privada, mas, ironicamente, até a proposta do PCP parecia moderada face ao que o primeiro-ministro deu a conhecer aos portugueses. Um documento que demoniza uma parte da população em (suposto) benefício da outra. Que destrói riqueza existente e potencial em vez de a criar.

Diz o governo que pretende incentivar a construção e a reabilitação urbana. Mas quer fazê-lo, não através de um eventual acordo abrangente com proprietários e promotores imobiliários, procurando conjugar a necessidade de garantir habitação condigna a muitos milhares de portugueses e o direito de quem detém ou investe a ser compensado pelos riscos que corre. Quer fazê-lo à força.

Goste-se ou não do alojamento local, foi sobretudo graças à iniciativa de privados -- na sua grande maioria, repito, pequenos proprietários nacionais -- que os centros históricos de cidades como Lisboa e Porto passaram de cinzentos e degradados a renovados e dinâmicos, com benefícios para vários outros setores de atividade.

O que se esperava de um governo com maioria absoluta, com acesso a financiamento como nunca houve em Portugal, não era um conjunto avulso de medidas, centradas no ataque à propriedade privada, mas uma verdadeira reforma. Uma reforma como, por exemplo foi, o Programa Especial de Realojamento (PER), promovido por Cavaco Silva há 30 anos, através do qual se erradicaram 986 núcleos de barracas, realojando mais de 130 mil pessoas. A visão, ambição e capacidade de execução que nessa altura existiu é a que agora está a faltar ao governo.

 

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