Press “Precisamos de mais mulheres nos lugares de decisão, tanto na esfera política e pública como no setor privado"

News | 18-10-2020 in Pontos de Vista

Maria da Graça Carvalho, Deputada do Parlamento Europeu afirma que a sua maior ambição é poder trabalhar até ao último dia da sua vida e o seu objetivo é, - nas diversas áreas em que está envolvida - tentar contribuir para tornar o mundo num sítio melhor. Saiba o que a motiva.

Para contextualizar e dá-la a conhecer ao público menos informado, interessa perceber quem é a Maria da Graça Carvalho enquanto pessoa e profissional. O que é que nos pode contar sobre o seu percurso?

Nasci em Beja e fiz lá toda a escola pública, até ao Liceu. Em 1972, no Liceu Nacional de Beja, ganhei o Prémio Nacional do “melhor aluno do país, de Caminha a Timor”. Depois vim para Lisboa estudar Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. Fui uma das duas únicas mulheres a entrar no curso nesse ano, entre dezenas de homens. Fiz o doutoramento no Imperial College, de Londres. Pelo meio fui fazendo outros cursos, à noite, como o curso de Cinema do National Film Theatre. Acho que já deu para perceber que sempre gostei de estudar. Vem de pequena. Quando estava a crescer, em Beja, não havia muito que fazer. Por isso, lia imenso! Nas férias de Verão não era invulgar ler uns 40 livros. Chegava a ficar à espera de que chegassem livros novos, próprios para a minha idade, à porta da biblioteca de Beja. Já os tinha lido todos. Mas regressando à minha formação, depois do Imperial College, fiz toda a carreira no Técnico, onde cheguei a professora catedrática, ainda na casa dos trinta anos. Julgo que fui a primeira professora catedrática de Engenharia Mecânica na Península Ibérica. A vida política veio mais tarde. Na verdade, tornei-me política por acidente, ao ser convidada pelo doutor Durão Barroso para ser ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no XV Governo Constitucional.

A Maria da Graça Carvalho é, atualmente, Deputada do Parlamento Europeu. Entre muitas outras funções que desempenha, presta um papel importante nas áreas de Ciências, Ensino Superior, Inovação, Investigação, Energia, Ambiente e Mudanças Climáticas. Como nos pode descrever o seu verdadeiro papel perante toda uma comunidade? Qual é a marca que pretende deixar na sociedade?

Em relação às áreas que refere, acrescentaria ainda as questões de género e de mercado interno e a digitalização. É difícil descrever um papel específico porque, como refere, estou envolvida em diversas áreas. Em todas elas existem objetivos que gostaria de ajudar a atingir. Na questão ambiental, que é uma área à qual sempre estive muito ligada, nomeadamente como investigadora. Na Educação. Nos direitos dos consumidores. Nas questões de género. Essencialmente, se tivesse de resumir a minha atividade e os meus objetivos, diria que estes passam por tentar contribuir para tornar o mundo num sítio melhor. Pode parecer uma resposta um pouco simplista, mas, no fundo, resume-se a isso. Estou muito ligada à ciência, defendo muito o investimento em ciência, não porque esta seja um fim em si mesmo, mas precisamente pelo que pode trazer de melhoria para os nossos cidadãos, as nossas sociedades, as nossas empresas e o nosso planeta.

Faz ainda parte da Comissão dos Direitos das Mulheres e da Igualdade de Géneros. Quão importante ainda é, hoje em dia, abordar este tema? Comparativamente a outros países, como se situa Portugal?

É extremamente importante! Não podemos cair no erro de pensar que as batalhas pela igualdade de género já foram todas travadas e vencidas. Mesmo na Europa, onde consideramos estar na linha da frente, as mulheres continuam a receber salários inferiores por trabalho igual, e continuam a ter dificuldade em aceder a determinados cargos, sobretudo no setor privado. As mulheres representam menos de 30% dos membros dos conselhos de administração das principais sociedades cotadas europeias, e apenas 8% dos CEO. Por isso é que existe a diretiva Women on Boards, com a qual estou envolvida enquanto relatora-sombra do Partido Popular Europeu, que defende a criação de condições para que as mulheres nas administrações cheguem pelo menos aos 40%. E há novas formas de desigualdade, com a questão das competências digitais. As mulheres, por questões culturais, têm menos tendência para optarem por percursos profissionais ligados às novas tecnologias. E isso é negativo, desde logo porque é nessas áreas que estão os melhores empregos.

Ao longo do seu imenso percurso, alguma vez sentiu que o facto de ser mulher lhe criou maiores obstáculos e desafios? Desempenhando variados cargos e estando à frente dos mesmos, como decidiu lidar com esse estigma? Acredita que, defendendo os seus direitos, se fortaleceu enquanto a profissional que é atualmente?

Pessoalmente não posso dizer que tenha sentido que o meu género tenha sido um obstáculo, talvez porque sempre fui muito decidida em relação aos meus objetivos. No entanto, basta olharmos à nossa volta – e isso aplica-se também ao Parlamento Europeu – para percebermos que este ainda é um mundo muito masculino. Precisamos de mais mulheres nos lugares de decisão, tanto na esfera política e pública como no setor privado.

O que falta, na sua opinião, para que a igualdade de oportunidades seja cada vez mais uma realidade?

A igualdade consegue-se com massa crítica. Até se chegar a essa barreira é muito difícil, porque as mulheres chegam a certos ambientes e não se sentem bem – por serem minoritárias – acabando muitas vezes por sair. É também por isso que as quotas são importantes, ainda que de uma forma transitória. A realidade atual ainda é muito a “old boys network”. Nem sempre há uma discriminação consciente, mas esta acaba por existir indiretamente. Tem que ver com a forma como certas coisas funcionam. Mesmo as decisões que se tomam, as prioridades que se identificam, a forma de agir, é muito masculina. Até em pormenores aparentemente inócuos. Por exemplo, é comum os homens juntarem-se a uma mesa, a um jantar, para tomarem decisões. Se calhar, a maioria das mulheres não gostam particularmente desse modo de trabalhar.

Assumindo diariamente um papel de liderança, considera que as características fundamentais para se ser um líder são inatas ou desenvolveu-as à medida que foi enfrentando tais desafios? Quais são os seus maiores alicerces no que concerne a uma gestão positiva?

No que respeita à minha forma de estar e atuar na vida, poderá haver uma pequena parte que é inata, mas a maior parte é adquirida, sobretudo pela educação e pelo trabalho. Guio-me muito pelo meu método e o meu raciocínio científico, que vêm da minha formação, e que aplico a tudo. Não apenas às grandes decisões e opções profissionais, mas até a pequenas coisas, da minha vida privada. Raramente tomo decisões ao acaso. É tudo pensado, seguindo a mesma linha de raciocínio.

A Maria da Graça Carvalho tem vindo a receber diversos prémios e títulos de reconhecimento. Qual foi, para si, o mais gratificante?

Talvez o Prémio Maria de Lurdes Pintassilgo tenha sido o mais gratificante. Porque ela era uma mulher, política, engenheira, que se dedicava muito à Educação e que tinha um conjunto sólido de valores. Diria, esperando não parecer imodesta, que ela, na política, tinha áreas de interesse que também são as minhas, por isso revi-me particularmente neste prémio. Foi um orgulho ter sido associada ao seu nome.

Em tom de curiosidade, se pudesse mudar ou melhorar algo no mundo, começaria por onde?

Há duas coisas que me fazem particular impressão: a falta de acesso à saúde e à educação por grande parte do mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento. Inquieta-me pensar que há zonas do globo onde os miúdos andam quilómetros para irem a uma escola onde nem luz elétrica têm. Outros que nem têm a sorte de ter uma escola. Pessoas que vivem em zonas sem médicos. A Saúde e a Educação são fontes da igualdade de oportunidades. Sem elas, fica-se cortado, limitado. Infelizmente, há ainda uma grande parte do mundo que não as tem garantidas.

O que lhe reserva o futuro? Quais são os seus planos mais ambiciosos?

A minha maior ambição é poder trabalhar até ao último dia da minha vida. Se não puder trabalhar e estudar fico muito triste. Ler, aprender, trabalhar, fazer coisas. É isso que me motiva.

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