Press Maria da Graça Carvalho: “As mulheres líderes não recebem a mesma atenção mediática que os homens”

News | 01-09-2020 in Revista Executiva

A eurodeputada Maria da Graça Carvalho é a relatora pelo PPE da proposta Women on Boards, na Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Género do Parlamento Europeu, que está a preparar novidades neste sentido. Em entrevista à Executiva faz um ponto de situação da igualdade de género em Portugal e na Europa e no que podemos esperar no curto prazo.

Maria Serina

Maria da Graça Carvalho é atualmente deputada do Parlamento Europeu e integra a Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Género (FEMM), onde é relatora, pelo PPE – Partido Popular Europeu, da proposta Women on Boards, na Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade de Género do Parlamento Europeu. Foi conselheira do Comissário para Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, de novembro de 2014 a dezembro de 2015. Anteriormente, foi deputada do Parlamento Europeu entre julho de 2009 e maio de 2014. Nessa condição, foi relatora do programa Horizonte 2020 – Programa-Quadro de Investigação e Inovação (2014-2020). Também foi conselheira principal do Presidente da Comissão Europeia Durão Barroso nas áreas de Ciência, Ensino Superior, Inovação, Investigação, Energia, Ambiente e Mudanças Climáticas de 2006 a 2009. Foi Ministra da Ciência e do Ensino Superior do XV Governo Constitucional e Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior do XVI Governo Constitucional. É Professora Catedrática do Instituto Superior Técnico (Universidade de Lisboa) e tem 30 anos de experiência nas áreas da energia, alterações climáticas e política de ciência, tecnologia e inovação.

Por que razão a iniciativa Women on Boards tem sido sucessivamente adiada?

Não é segredo que esta iniciativa tem sido sucessivamente bloqueada no Conselho Europeu desde que a Comissão Europeia, instada nesse sentido pelo Parlamento, apresentou uma proposta de diretiva, em novembro de 2012. Há um grupo de países que se opõem, não por falta de sensibilidade para as questões de género – vários deles estão até entre os mais avançados da Europa nessa matéria – mas por considerarem que a introdução de um mínimo de 40% de mulheres entre os membros não executivos dos conselhos de administração constitui uma ingerência inaceitável na esfera privada. A questão das quotas é um tema complexo, não apenas em Portugal, mas em toda a parte. O desafio – e é também esse o esforço que estou a fazer enquanto responsável pelo dossiê no Partido Popular Europeu (PPE) – é convencer os mais relutantes de que, mesmo que a igualdade de género seja uma realidade nos seus países, está longe de o ser noutros, onde o que atualmente existe é uma desproporção nestes cargos ditada não pelo mérito, mas por questões culturais.

Quando é previsível que dê o próximo passo e que medidas concretas estão previstas?

O primeiro passo será precisamente recolocar este tema na agenda. A atual presidência alemã do Conselho afirmou, na apresentação das suas prioridades ao Parlamento Europeu, que iria encetar negociações neste dossier. A esse respeito, posso confirmar-lhe que em setembro será levada a plenário no Parlamento Europeu uma pergunta oral sobre a diretiva Women on Boards, visando o retomar das negociações. Não se espera que sejam fáceis, mas, nesta fase, existe um claro interesse em que a discussão seja retomada, não só por parte do Parlamento e da Comissão Europeia, mas especialmente do Conselho. Repare, existia o bloqueio de 8 países (Dinamarca, Polónia, Reino Unido, Croácia, Holanda, Alemanha, Estónia e Espanha). Espanha já retirou as suas reservas e esse facto em si mesmo já é uma notícia encorajadora. Resta saber se existirá uma minoria de bloqueio. Se a Alemanha alterar a sua posição é possível uma maioria no Conselho.

Quais as penalizações previstas para as empresas que não cumpram a diretiva?

O que está previsto na proposta da Comissão Europeia de 2012 é que a natureza das sanções e a sua aplicação são uma responsabilidade de cada estado-membro. A esse respeito, é importante recordar que, embora a diretiva não tenha até agora passado no Conselho, vários países decidiram por sua iniciativa adotar medidas promotoras da igualdade de género, tanto nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa como no setor público. Entre estes, Portugal, através da lei 62/2017.

Em Portugal só 18% dos membros dos boards de empresas cotadas em Bolsa são mulheres e presidentes de grandes empresas só temos duas mulheres. Como se situa Portugal na realidade europeia?

De acordo com o ultimo relatório sobre a aplicação da lei 62/2017, divulgado em julho pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, os dados já estão ligeiramente melhores. Temos 22% de mulheres nos órgãos de administração das cotadas, 29% no setor empresarial local e 37% no setor empresarial do Estado. É um facto que continuamos longe do ideal, em especial na comparação com alguns países europeus que nos levam algumas décadas de avanço nestas matérias. Em todo o caso, julgo ser importante sublinhar que estamos numa trajetória de melhoria. Apesar de tudo, importa distinguir os países que têm agido no sentido de corrigir estas assimetrias daqueles que não o têm feito.

Em Portugal, as mulheres representam 55% dos doutorados, na investigação já são apenas 43% e na liderança das universidades há apenas duas reitoras. Parece-lhe que a academia tem desafios acrescidos no que respeita à igualdade de oportunidades?

Em rigor, neste momento temos quatro reitoras: Ana Costa Freitas, na Universidade de Évora, Isabel Capelôa Gil, na Universidade Católica, Maria de Lurdes Rodrigues, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, e Carla Padrel de Oliveira, na Universidade Aberta. Não sendo um número elevado, considerando uma dezena de universidades públicas e várias outras privadas, não deixa de ter a sua importância. Antes da eleição de Lurdes Rodrigues no ISCTE, em 2018, Portugal nunca tinha tido três mulheres em simultâneo à frente de universidades. Agora tem quatro. Também ao nível da direção das faculdades, a presença das mulheres é hoje bastante mais significativa do que no passado. Portanto, respondendo à sua questão, diria que as mulheres estão a afirmar-se mais rapidamente no mundo académico do que no meio empresarial. Por mérito próprio e também beneficiando do facto de o processo de escolha das lideranças ser democrático, envolvendo toda a academia e representantes da comunidade.

Nas tecnologias de informação temos um desafio acrescido, pois há apenas 21% de mulheres numa área de grande futuro e onde os salários são mais elevados. Por que razão as mulheres manifestam tão pouco interesse por estas áreas e quais os principais riscos deste seu afastamento?

Há um esforço a fazer, tanto em Portugal como na Europa, no sentido de mobilizar mais mulheres para as Tecnologias da Informação e Comunicação, a Robótica, a Inteligência Artificial e outras novas tecnologias. E esse esforço deve ser feito desde os primeiros anos de escolaridade. De resto, esse é um tema que tenho acompanhado de perto, através da produção de relatórios e opiniões, no Parlamento Europeu, onde integro a Comissão FEMM – Direitos das Mulheres e Igualdade dos Géneros. Existe ainda um bloqueio na transição das diplomadas destas áreas para o mercado de trabalho, verificando-se que, por uma razão ou outra, muitas acabam por não fazer carreira nas áreas em que se formaram.

Há estudos que indicam que a participação das mulheres está mesmo a baixar nesta área. O que justifica este retrocesso?

Não lhe sei dizer se esse retrocesso é circunstancial ou revelador de uma tendência, o que seria bastante mais grave. O que é certo, a meu ver, é que existe um desafio que se prende com alguma desconfiança ainda existente num “mundo” que, durante muito tempo, foi considerado como sendo sobretudo masculino. Uma desconfiança de parte a parte: do lado das mulheres, que desde muito novas são confrontadas com estereótipos que associam as TIC aos rapazes; e do lado do mundo empresarial, que muitas vezes também recebe com relutância as mulheres que querem seguir carreira nestas áreas.

Há que mudar mentalidades, nomeadamente da parte dos empregadores, porque não só estamos a impedir as mulheres de chegarem a áreas que, como refere, têm grande futuro e oferecem os melhores salários, como estamos a privar as nossas empresas de ativos que seriam seguramente muito importantes para o seu crescimento e desenvolvimento.

Chamo também a atenção para o facto de as desigualdades de género também serem criadas e reproduzidas através da linguagem e das imagens divulgadas pelos meios de comunicação social. A educação, os programas culturais e os conteúdos audiovisuais são instrumentos fundamentais para combater os estereótipos de género e atrair jovens mulheres para estas áreas.

Que medidas estão a ser equacionadas para aumentar a participação das mulheres na IA?

Existem várias iniciativas em curso na União Europeia, não só ao nível da Comissão como do Parlamento Europeu. No meu caso, estive ou estou envolvida em diferentes relatórios e opiniões realizados a esse respeito.
As medidas passam por ações junto da sociedade, incentivando à produção de conteúdos que atraiam mais as mulheres, desde a multimédia, à oferta cultural, nos museus, na própria comunicação social, e em todo o sistema de educação desde o pré-escolar. A discriminação começa nos brinquedos…
Há uma clara consciência de que é absolutamente essencial envolver mais as mulheres neste tema. E é preciso fazê-lo em duas dimensões: atraindo mais mulheres para a aprendizagem, pela importância que daí virá não só para o género feminino, mas para a sociedade como um todo; e na componente do reconhecimento das especificidades das mulheres no próprio desenvolvimento das tecnologias de Inteligência Artificial. Existe um risco de que determinados programas de Inteligência Artificial, ao serem desenvolvidos com base em perfis essencialmente masculinos, se venham a tornar num novo fator de discriminação. Vivemos num mundo em que os dados são o novo petróleo, em que os dados ditam as tomadas de decisão, nomeadamente a decisão de contratar “A” ou “B”. Não podemos correr o risco de termos dados enviesados.

Que argumentos daria a uma jovem para escolher esta área para o seu futuro profissional?

Dir-lhe-ia que, se sente que é essa a sua vocação, deve segui-la sem receios das reações dos seus pares. Consciente de que terá provavelmente de lutar mais do que um homem para alcançar os mesmos objetivos, mas sem receios. Dir-lhe-ia ainda que o seu esforço será recompensado, não apenas a título pessoal, mas porque irá ajudar a que outras sintam que podem percorrer o mesmo caminho. Quando entrei em Engenharia, no Instituto Superior Técnico, éramos duas mulheres entre uma centena de homens. Não me arrependi da decisão que tomei.

Fala-se muito na importância de dar mais visibilidade a mulheres que ocupam funções de liderança para que outras mulheres percebam que é possível chegar a essas funções e a comunicação social tem aqui um papel fundamental – esta é, aliás, a missão da Executiva. Acha que tem havido uma evolução neste sentido?

Julgo que a vossa publicação tem um papel muito importante a desempenhar, num universo que continua a ser predominantemente masculino e onde mesmo os exemplos de sucesso no feminino nem sempre recebem a atenção que merecem. Existem mulheres portuguesas em funções de liderança, inclusivamente em empresas de dimensão multinacional, que não recebem a mesma atenção mediática dos homens em situações semelhantes.

Não lhe parece que é também urgente trazer mais homens para o debate desta questão? Ao ter uma esmagadora maioria de mulheres na Comissão FEMM não há o risco de passar a mensagem de que esta continua a ser uma questão de mulheres e não uma questão de sociedade?

O Parlamento Europeu não é um universo à parte. Em muitos aspetos, é um reflexo rigoroso das nossas sociedades europeias, nas suas qualidades e defeitos. É claro que seria desejável termos uma maior participação masculina na Comissão FEMM, é claro que seria importante termos mais homens envolvidos nos temas que tratamos. Mas não podemos impor aos deputados do sexo masculino que integrem a comissão “A” ou “B”. A escolha tem de partir deles. Assim sendo, cabe às eurodeputadas e eurodeputados que integram a comissão FEMM demonstrar que os temas que trabalhamos não respeitam apenas às mulheres, mas a todos.

Que mensagem deixa às nossas seguidoras para ajudarem a acelerar a igualdade de género? Como podem contribuir para este caminho no seu dia a dia?

Sejam dedicadas no que fazem. E aproveitem cada obstáculo para crescer. O mérito, resultante do talento e do empenho, é uma força muito poderosa e difícil de parar.

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