Press Águas para Reutilização: Uma questão de cidadania, cultura e economia circular

News | 21-04-2023 in Revista das Águas do Algarve

1 - No último verão, com o país em seca extrema ou severa, escreveu sobre a pouca visão estratégica na questão de fazer face à escassez de água em Portugal. Que medidas considera essenciais para fazer face a este problema?

A primeira medida na qual nos devemos concentrar é no combate ao desperdício. No Verão do ano passado, foram divulgados dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos segundo os quais 25% da água que passa pelas condutas de abastecimento é desperdiçada. Isto são quase dois mil milhões de litros perdidos, o que é absolutamente inaceitável num país onde este recurso escasseia. De uma forma mais geral, precisamos de uma política para a água que vá para além das declarações de circunstância, por parte de quem tem responsabilidades políticas nestas matérias, em momentos de seca severa. Temos de melhorar a gestão que fazemos dos nossos recursos hídricos, em particular no Sul do país, e temos de olhar de forma ponderada, mas decidida para as alternativas disponíveis. Nomeadamente para a dessalinização, que é uma solução na qual a nossa vizinha Espanha, que enfrenta desafios semelhantes aos nossos, vem investindo há décadas. Mas não só. É igualmente fundamental, recorrendo a fundos nacionais e a verbas disponíveis nos programas europeus, dedicar mais recursos às atividades de investigação científica e inovação relacionadas com a água no nosso país. Temos os especialistas. Temos instituições com capacidade para fazerem este trabalho. Mas os incentivos são escassos.

 

2 - As chuvas dos últimos meses, levou a que a opinião pública pensasse que o problema da seca estava resolvido no nosso país. Como se poderá dar a perceber às populações que o problema persiste?

O problema é precisamente esse. Temos períodos de seca severa a extrema, em que este assunto entra na ordem do dia, mas depois com o regresso da chuva rapidamente são esquecidos os problemas e as promessas feitas. É o que eu costumo chamar de estratégia para a água…a conta-gotas.

 

3 - A Água para Reutilização (ApR), produzida a partir de águas residuais tratadas, é muitas vezes vista como uma solução para o problema da falta de água. Qual a sua perspetiva sobre esta tecnologia?

Pode ser mais uma opção interessante. Não estou certa de que seja uma solução viável para consumo humano, mas podemos utilizar essa água na agricultura, em regas de jardins e em várias outras atividades que não impliquem que a qualidade da água seja própria para consumo. A vantagem em relação a outras tecnologias, tais como a dessalinização e a construção de novas barragens, é que os custos envolvidos podem ser significativamente mais baixos. Julgo que precisamos de uma estratégia que contemple todas as alternativas, adaptando cada uma delas aos fins a que mais se adequam.

 

4 - Portugal tem uma boa taxa de utilização de ApR? E nos países da UE, quais são os que mais utilização a APR?

As realidades são bastante díspares ao nível da União Europeia. De acordo com a Comissão Europeia, o Chipre e Malta reutilizam, respetivamente, 90% e 60% das suas águas residuais, valores que se explicam pelo facto de serem estados insulares, com escasso acesso a este recurso.  A Grécia, a Itália e a Espanha reutilizam entre 5% e 12%. Não tenho informações específicas sobre a realidade portuguesa, mas suponho que os nossos números sejam bastante inferiores aos destes países. A nível da União Europeia, o retrato geral é que estamos muito aquém do potencial de reutilização.

 

4.1 - Que boas práticas podemos aprender dos parceiros europeus neste ponto?

Em todas as iniciativas que se tomem no sentido de proteger e valorizar os nossos recursos hídricos, é importante olharmos para os Estados-membros que já estão mais adiantados nestes processos e aprendermos com as boas-práticas resultantes das suas experiências. Naturalmente, isso é igualmente válido para a água para a reutilização. O fundamental é ganharmos consciência de que o problema da falta de água não vai desaparecer, que tenderá aliás a agravar-se, e que temos de atuar rapidamente e de forma decidida.

 

5 - Pode esta ser uma questão também de cidadania e cultura?

É seguramente uma questão de cidadania. Aliás, a questão da água é muito importante no European Green Deal. E a água para reutilização é abordada nas estratégias relacionadas com a chamada economia circular. No que respeita a cultura, julgo que o que distingue os países que já estão mais avançados neste capítulo dos outros é o facto de já terem tomado consciência há mais tempo da necessidade de atuarem.

 

6 - A reutilização é ainda uma solução que gera muitas dúvidas e necessidade de esclarecimentos, que vão para além dos possíveis utilizadores, como também da população em geral. Está de acordo com esta necessidade de maior informação, maior literacia, e de que forma esta pode ser suprida?

Como disse no início, as decisões devem ser tomadas e aplicadas de uma forma informada e ponderada, com base na evidência científica.  Isso implica um investimento no conhecimento, tanto ao nível da atividade de investigação científica e de inovação como ao nível da formação dos cidadãos em geral. É isto, aliás, que tenho defendido na minha atividade no Parlamento Europeu. Quando fui relatora do anterior programa-quadro de ciência e inovação, introduzi o tema da água no conjunto de atividades de ciência e inovação apoiadas pela UE. Mais recentemente, enquanto relatora da agenda estratégica do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia, consegui incluir a criação de uma nova comunidade de inovação e conhecimento dedicada ao estudo de todos os temas relacionados com a água, e abrangendo educação, investigação científica e Inovação. Espero que Portugal possa vir a desempenhar um papel decisivo nesta comunidade. Mas nada disto obsta a que se acelerem os procedimentos, de forma a prevenir consequências ainda mais severas no futuro. Hoje, já existem milhares de portugueses que se debatem com dificuldades no acesso a água durante alguns períodos do ano.

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